ESCREVI EM 07 DE JULHO DE 2011:
Giorgio Bongiovanni. ESTIGMATIZADO. SANT'ELPIDIO A MARE - ITÁLIA, 07 DE JULHO DE 2011. ÀS 16:30 HORAS
ÓRGÃOS HUMANOS À CARTA
Depois de seis anos infiltrado nas redes ilegais, o jornalista norte americano Scott Cagney publica um horripilante relato sobre o tráfico de pessoas Mães de aluguel em uma clínica da Índia. São mantidas vigiadas durante toda a gravidez Se ouve falar freqüentemente de obscuros traficantes de órgãos, de crianças ou inclusive de adultos que desaparecem em plena rua para que seus rins ou seu fígado reapareçam «magicamente» em outro corpo do outro lado do mundo. Parecem histórias de terror preparadas para fazer subir a adrenalina e em seguida as tornar estacionar na gaveta do excepcional ou diretamente fantástico. Até agora e até aqui, um jornalista norte americano, Scott Cagney, dedicou seis anos de sua vida a investigar «the rede market», o «mercado vermelho». E chegou a conclusões horripilantes. Virtualmente cada parte do corpo humano tem um preço, que oscila enormemente de um mercado a outro. Uma pinta (= 473 mililitros) de sangue se compra a 25 dólares na Índia, mas pode alcançar os 337 dólares nos Estados Unidos. Então na Índia surgiram «empreendedores» que não satisfeitos revendendo caro o sangue que compram barato, tratam de aumentar ainda mais a margem de benefício obtendo-a grátis. Como? Criaram sinistras «granjas de sangue» onde mantêm pessoas cativas durante anos «sangrando-as» - como se as ordenhassem - entre uma e três vezes por semana. Os candidatos a alimentar estas granjas às vezes acessaram a isso porque vivem na miséria e no maior desespero. Outras foram simplesmente seqüestradas em uma parada de ônibus. Nos Estados Unidos se chega a pagar 24.400 dólares pela implantação de córneas que pode se obter legalmente através de doações voluntárias - de fato os EUA as exporta -, ou ilegalmente. Em 2001 um cirurgião chinês declarou diante do Congresso americano que ele pessoalmente tinha vendido centenas de córneas, junto com rins e amostras de pele, de prisioneiros executados em seu país. Os paraísos do transplante Obter legalmente um transplante de coração pode se supor um custo próximo a milhão de dólares e suportar uma angustiosa lista de espera para acessar ao órgão em si. Ilegalmente há quem o consegue por 119.000 dólares. Novamente, o maior fornecimento parece proceder de prisioneiros chineses executados. O mesmo acontece com as doações ilegais de fígados, que podem se resolver por 157.000 dólares. Mas como se pode doar uma parte do fígado e continuar vivendo, aqui os executados chineses «competem» com pessoas extremamente miseráveis na Índia e nas Filipinas, que algumas vezes voluntariamente, outras não, entram neste mercado. E o que acontece com a doação estrela, os rins? Nos Estados Unidos ou na Europa as listas de espera se prolongam por anos e anos. Mas o mercado vermelho internacional é florescente e, uma vez mais, extremamente competitivo: um rim novo custa 62.000 dólares na China, porém custa «somente» 15.000 na Índia. Se abre por sua vez mercados emergentes na Indonésia, Paquistão e Kosovo, onde em 2008 começou a funcionar uma rede de tráfico destes tipos de órgãos, investigada de perto por Scott Cagney. E não é muito perigoso investigar isto? Cagney, que quando falamos com ele se mostra amável sem deixar de se dar como tipo durão (uma mistura de jornalista e de Indiana Jones) o qual diz muito em seu favor. «Senti mais medo quando investigava outras coisas, como os meninos raptados pela máfia», - assegura. E é verdade que o que mais surpreende de seu livro é o imensamente próximo que chega a seu objetivo. Não só amostra fotos das vítimas mas sim de seus verdugos. Às vezes vemos cara descoberta de pessoal medico que realiza, ou melhor seria dizer, que perpetra algumas das extrações de órgãos que em seguida se venderá por aí ao melhor pagador. «Muitos deles não pertencem às máfias e além disso não têm a sensação de estar fazendo nada mau, ao contrário, inclusive pensam que fazem uma coisa boa, que ajudam a salvar vidas», - comenta-nos Cagney, entre endurecido e perplexo. Antes de nos horrorizar porque essas pessoas pensem assim, talvez teria que se perguntar até que ponto não pensamos assim nós mesmos. Até que ponto todo este tráfico não se origina em nossa aberrante ilusão de normalidade. Nem sei como, falando com o Cagney, me descubro lhe perguntando: «Mas, o que faria você se uma pessoa muito querida, sua mulher ou seu filho, necessitasse desesperadamente de um órgão, e esta fosse a única maneira de consegui-lo?». Silêncio profundo. Sem dúvida, porque acabo de lhe colocar a pergunta do milhão de dólares, - penso satisfeita. A resposta do milhão e meio Mas eis aqui que, quando menos espero, joga-me na cara a resposta do milhão e meio: «Sua pergunta parte de uma premissa falsa, não se dá conta? Não se dá conta de que para perguntar isso terá que considerar uma opção viável, embora seja extrema, a de dispor do corpo de uma pessoa em benefício de outra?». Touchée. É verdade. É como se lhe tivéssemos perguntado a quanta gente estaria disposta a assassinar para salvar a um ser querido. Rapidamente Cagney nos resgata de nossa culpabilidade e nossa angústia nos fazendo ver que meio mundo conspira na sombra para «nos ajudar» a ver as coisas assim. A pensar nestes termos utilitários de outros seres humanos. Por um lado temos avanços médicos que multiplicaram - embora nem para todos - a esperança de vida e as possibilidades de curar muitas coisas que até recentemente não tinham remédio. Por outro lado temos milhões de pessoas desaparecidas na pobreza e o obscurantismo e inclusive em culturas onde a vida humana individual tem um valor relativo se si comparar com o que tem no Ocidente. No momento em que a oferta e a demanda coincidem, certa equação monstruosa começa a tomar forma. É uma monstruosidade bilateral. Por um lado estão os doadores à força, por outro lado os receptores de alguns órgãos que, dado sua turva origem, ninguém pode garantir que estejam em perfeito estado. Ao proceder de pessoas desnutridas, necessitadas e com os lógicos problemas de saúde associados a estas condições, pode acontecer algo. Este foi as vezes o argumento para opor-se a que pessoas que cumprem pena nos Estados Unidos «comprem» sua liberdade doando órgãos, como ocorreu recentemente: duas irmãs com uma longa condenação por roubo foram indultadas em troca de que uma doasse um rim à outra, libertando assim do estado de custosas faturas por seu tratamento de diálise. Os tentáculos do mercado vermelho são variados, são enormes e às vezes parecem ou inclusive são inocentes. Nem tudo é arrancar sangue ou fígados pela força. Por exemplo as favorecedoras extensões de cabelo humano com as quais muitas vezes nos adornamos - quem afirma isso adquiriu algumas mechas em 2002 nos Estados Unidos ao redor de 200 dólares - procedem em muitos casos de doações a um templo hinduísta no sul da Índia, regido por uma deidade de que teoricamente destrói os pecados dos crentes que lhes fazem a oferenda. Então resulta que uma jovem indiana corta a cabeleira para agradar a seu deus, e essa cabeleira acaba em uma inconsciente cabecinha ocidental. E alguém que está por trás embolsa durante o ano uns tantos milhares ou inclusive milhões de dólares. Maior transparência Este é somente um exemplo relativamente inofensivo, embora nem de tudo, da colossal ignorância em que se funda todo o invento. Continuaríamos comprando extensões de cabelo se conhecêssemos com precisão sua origem e sua história? Ou pagando a mães de aluguel se soubéssemos como e por que e em que condições chegam a fazê-lo? Ou adotando crianças sem perguntar de onde vem? Ou adquirindo óvulos para tratamentos de fertilidade doados por imigrantes sem papéis? Ou dando por bem que não faz nenhuma falta doar sangue, porque que quando nós o necessitemos o hospital já a tirará de alguma «granja de sangue»? «A transparência é a chave para atalhar os abusos, é a única salvaguarda possível», - afirma Scott Cagney, categórico. Começar por saber de onde procedem os órgãos ou funções corporais parece essencial para pôr ordem nos mercados, nos vermelhos, nos negros ou inclusive nos brancos. E é que nos proprios circuitos legais houve controvérsia sobre se é melhor pagar pelas doações ou confiar tudo ao altruísmo. Ambas as opções demonstraram ter inconvenientes, o qual leva freqüentemente a atirar pelo caminho, nem sempre com má intenção ou com afã de lucro. Por exemplo nos Estados Unidos faz tempo que funciona uma rede de doações voluntárias alternativas à rede oficial e a suas desesperadoras às vezes criminosas, listas de espera. Cidadãos que em um bom dia decidem doar um rim a um desconhecido. E desde quando não aceitem dinheiro em troca, é perfeitamente legal. Outra coisa é como se engrena isso em uma indústria medica onde embora o órgão possa ser grátis por lei, não é nada do que lhe rodeia: nem a conservação, nem o transplante em si, nem muito menos a atenção necessária para se recuperar depois de doar. «No momento em que entra o dinheiro em jogo, tudo se corrompe ou pode corromper-se», - sentencia Cagney.
ANNA GRAU / NEW YORK Dia 03/07/2011 http://www.abc.es/20110703/internacional/abci-organos-humanos-201107030158.htm
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